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Se uma imagem vale mais que mil palavras, quantos sons ela pode conter? O violinista e multi-instrumentista Marcus Penna deu sua própria resposta a esse enigma com o CD “Sertão Clássico”. Uma foto antiga, batida no interior de Minas lá pela década de 30, foi capaz de evocar memórias remotas da musicalidade caipira e tirar sons geniais do violino. Trilhando os caminhos do imaginário popular através de Mogianas e Sorocabanas virtuais, o violinista fez o percurso inverso de seus antepassados.
Percorreu grotões profundos da alma dos sertões, revisitando momentos marcantes da cultura brasileira em arranjos que fundem o rural e o urbano em clássicos da música raiz: “Triste Berrante”, “O Menino da Porteira”, “No Rancho Fundo”, “Mulher Rendeira”, “Luar do Sertão”. Dos modernistas brasileiros, interpreta “Viola Quebrada”, de Mário de Andrade; e na sua composição “Martelada” emprega o martelé, uma técnica violinística, para recuperar um Coco de Festa citado por Guimarães Rosa. Bebericando em várias fontes da música raiz brasileira, Marcus Penna fez arranjos, adaptações e composições que se utilizam também do improviso como elemento musical e transitam entre estilos populares (toada, canção, guarânia, modinha, baião, congada, catira, martelo, coco, valseado) e formas clássicas da música (prelúdio, cantata, toccata, suíte, partita) — amálgama que sintetiza o rural e o urbano, o sagrado e o profano, o popular e o erudito.
Esse projeto musical começou a tomar corpo quando Marcus Penna foi convidado para gravar solos de violino na novela “O Rei do Gado”, de Benedito Ruy Barbosa. Desde então, as composições e os arranjos foram sendo lapidados nos intervalos de outros trabalhos do músico, como os espetáculos do grupo teatral XPTO e a peça “Um Certo Olhar – Pessoa e Lorca”, dirigida por José Possi Neto e interpretada por Raul Cortez.
O lavrador Antônio Custódio de Godoy, todo de branco e sentado à esquerda dos violeiros na foto, é tio do lado paterno da família de Marcus. Mineiro de Itamoji, devia estar com quase 20 anos quando a foto foi tirada numa Festa do Divino. Na década de 40, ele migrou para São Paulo. Tornou-se operário da indústria de vidro e trouxe o pai de Marcus para a cidade grande. Fez da Vila das Palmeiras, nas cercanias da Freguesia do Ó, um pedaço de Minas. Todo ano, fechava sua rua para os festejos juninos, com encenações e muita música.
A presença de Antônio foi constante na infância de Marcus. O menino aguardava ansioso a volta do tio da fábrica para as cantorias noturnas na casa dele. Uma imensa bicicleta preta encostada no muro era sinal que o tio chegara em casa para alegria do sobrinho. Autodidata, Antônio tocava vários instrumentos (violão, violino, acordeon). Marcus devia ter uns oito anos quando o tio lhe apresentou o violino, instrumento que se tornaria companheiro da vida toda